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sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

PINÓQUIO

“...Era uma vez um menininho, de carne e osso, igual a tantos, que se deleitava nas coisas simples que a vida dá. Ria nos seus mundos de faz-de-conta, voava nas asas dos urubus, assustava os peixes, nariz achatado nos vidros dos aquários, assobiava para os perus, andava na chuva – todas essas coisas que crianças fazem e os adultos desejam fazer, e não fazem, por vergonha. Sua vida escorria feliz por cima do desejo.
Não sabia que uma conspiração estava em andamento. Tudo começara bem antes, quando um nome lhe fora dado. Nome do pai. Claro, confissão de intenções: que o menino sem nome e sem desejos aceitasse como seus o nome e os desejos de um outro que ele nem mesmo conhecia. Filho, extensão do pai, realização de desejos não realizados, sobrevivência do seu corpo, uma pitada de onipotência, uma gota de imortalidade.
‘Que é que ele vai ser quando crescer? Médico? Diplomata? Cientista?’
E as conversas se prolongavam, temperadas com sorrisos e boas intenções, enquanto silenciosas se teciam as malhas do desejo em que o pai e a mãe esperavam colher/acolher/encolher o menino dos desejos simples.
Até que chegou o dia em que lhe foi dito:
- É preciso ir para escola. Todos os meninos vão. Para se transformarem em gente. Deixar as coisas de criança. Em cada criança brincante dorme um adulto produtivo. É preciso que o adulto produtivo devore a criança inútil.
E assim aconteceu. Há certos golpes do destino contra os quais é inútil lutar.
O menino de carne e osso aprendeu coisas curiosas: nomes de heróis, frases que teriam dito, as alturas de montes onde nunca subiria, as funduras dos mares onde nunca desceria, a distância de galáxias, o “se”, partícula apassivadora, o “se”, símbolo de indeterminação do sujeito, nomes de cidades de países longínquos, suas populações e riquezas, fórmulas e mais fórmulas...
Sabia que tudo aquilo deveria ter um motivo. Só que ele não entendia. O desejo permanecia selvagem. E disto eram prova aquelas notas vermelhas no boletim, testemunhas de como o menino cavalgava longe do desejo dos outros, conspiradores secretos, escondidos na monotonia dos currículos que não faziam o seu corpo sorrir...
‘Pra que serve tudo isso?’, ele perguntava.
O pai respondia, sábio e paciente:
- Um dia você saberá. Por hora basta de saber que papai sabe o que é melhor para seu filho...
O menino cresceu. E aconteceu que, em meio às suas rotinas, veio a se encontrar com dois cavalheiros bem vestidos e de fala branda, que se puseram a contar estórias de um mundo encantado sobre o qual ele nunca ouvira falar. Eles disseram de heróis em aventais brancos, cavalgando microscópios e telescópios, brandindo máquinas fantásticas e aparelhos misteriosos, em meio a líquidos mágicos que faziam viver e morrer, encastelados em templos onde as coisas visíveis ficavam invisíveis e as coisas invisíveis ficavam visíveis, e lhe disseram de prodígios de verdade, e lhe perguntaram se ele não desejava se transformar num mago, num artista... A recompensa? O poder, o conhecimento de segredos que ninguém conhece, a glória, ser olhado por todos como um ser diferente, sublime, superior. Se os seus prodígios fossem maiores que os de todos, ele poderia aparecer no palco supremo da Ciência, em país distante, onde os mortais se revestem de imortalidade...
O menino grande se lembrou dos sonhos de menino pequeno. E sorriu. Finalmente, chegara o momento da sua realização. Estranhou que os narizes dos respeitáveis cavalheiros tivessem crescido enquanto falavam. Mas, logo o tranqüilizaram:
- É só pra te cheirar melhor, meu filho...
Começaram as transformações. Primeiro os olhos. Já não refletiam outros olhares e nem borboletas... Aprenderam a concentração, a disciplina. Depois o corpo, que desaprendeu a dança, o vôo dos papagaios e o brinquedo. Era necessário dedicar-se totalmente. Os pensamentos abandonaram as fantasias e os contos de fadas. Passaram a morar no mundo das fórmulas e dos experimentos. Até o prazer da comida se satisfez com os sanduíches rápidos do almoço, e na cama o corpo se esqueceu do corpo...
E aprendeu coisas preciosas. Que o corpo do cientista é neutro. Que ele não se comove por considerações de valor ou prazer. Que está acima da vida e da morte (isto é coisa de políticos, militares e clérigos), em dedicação total ao saber. Bastava-lhe ser um devotado servidor do progresso da Ciência.
Mas, tantos sacrifícios acabaram por receber merecida recompensa. A sorte soprou, favorável, e de seu corpo diferente surgiu uma nova magia, e o palco da imortalidade lhe foi aberto. Lá, perante todos, compreendeu que valera a pena. Duas lagrimas lhe rolaram pela face.
Já não era o menino de outrora, carne e osso. Crescera. Estava diferente. Os aplausos de madeira enchiam a sala. Era a glória. E foi então que o milagre aconteceu. O recinto se encheu de suave luminosidade, e a Mosca Azul, que até então só habitara os seus sonhos, veio de longe e roçou seu rosto com suas asas. E a grande transformação aconteceu. Era um boneco de madeira, inteligência pura, sem coração. E os milhares de bonecos, iguais, de pé, não paravam de tamanquear os seus aplausos ao novo irmão, enquanto gritavam o seu nome:
- Pinóquio, Pinóquio, Pinóquio...”

Rubem Alves

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

MENSAGEM DE NATAL

Por José Barbosa Junior...


"Há muito tempo atrás um poeta decidiu escrever sua obra. Poetas são seres mágicos, suas palavras têm o poder de criar mundos. Basta que digam e as coisas acontecem, surgem do nada, ex nihilo, desejos que se transformam em coisas.

Esse poeta criou mundos assim, pela sua palavra. Bastava dizer e as coisas vinham à existência. Era característica dele o gosto pela criação, e sempre ao final de cada criação ele via que tudo aquilo era bom... e seguia adiante... criando coisas, até que decidiu encerrar a sua criação. Era hora de escrever a sua obra prima, sua grande ária da magnífica ópera que começava a existir.

Havia um cuidado especial para a criação de seu mais grandioso poema, não bastariam as palavras ao vento, Ele as queria escrever com as próprias mãos, seria diferente, ao invés de simples palavras, barro... e então a obra foi feita, imagem e semelhança dEle. O grande poeta então, ao ver sua obra ali, como ele queria, soprou sobre ela... e a poesia ganhou vida, ganhou palavras novas, ganhou o sopro do criador... inspiração... expiração... vento...

Mais tarde, ao contemplar sua magnífica obra percebeu um ar de tristeza na sua poesia, faltava-lhe algo, faltava-lhe rima, algo que o completasse inteiramente... havia um vazio em meio a algumas linhas e o poeta fez com que sua poesia dormisse, e sonhasse... nos sonhos os mundos também se criam...

Ao acordar de seu sono o poema se viu completo, as palavras agora se encaixavam perfeitamente, e havia sentimentos novos... desejo... amor... coisas que só um poeta entende, e sua poesia também. E assim conviviam bem, poeta e poesia, autor e obra, e da criação passou-se à nomeação das coisas, palavras novas, imaginação, imagem em ação, nomes, palavras, seres... vidas...

Até que um dia um cientista resolveu aparecer para complicar a história. Cientistas detestam poetas e odeiam poesias. Afinal, cientistas são conhecedores do bem e do mal... então o cientista resolveu oferecer ao poema a “grande chance” de deixar de ser poesia e tornar-se uma grande tese acadêmica, afinal a poesia é para os sonhadores, loucos, boêmios, amantes, mas as teses científicas é que dominam o “mercado” e nos dão garantia de sermos deuses, conhecedores de todo o bem e todo o mal.

A poesia cedeu sua beleza e encanto à praticidade do texto científico... houve um borrão no poema original, que perdeu sua essência... tornou-se um texto chato, cansativo, longo demais... textos desses que ninguém consegue entender, dizem até que num determinado momento tal era a confusão que a tese se dividiu em línguas diferentes, nem ela mesmo se entendia... babel... confusão...

Algo deveria ser feito para se reconquistar a poesia original... mas... o que ? Um poema como o original, algo tão belo que, ao morrer poesia (e toda poesia traz em si um pouco de morte) apagasse as manchas do primeiro poema e restaurasse a beleza que havia escondida sob os borrões das teses cientificas, sob o conhecimento do bem e do mal.

Os filósofos, amigos dos poetas, chamavam o criador de poemas de Verbo, verbo é a alma do poema, poemas sem verbos são chatos. Imagine um poema sem amar, sentir, chorar, sonhar, ver, ouvir, tocar, cheirar, sofrer...

Pois o verbo... se fez carne... o poeta se fez poesia, e mais...se fez criança. Crianças e poesias tem muito em comum... não se levam a sério demais. Brincam com a vida, brindam a vida. Como diria o poeta Rubem Alves: “O natal é um poema. Nele Deus se revela como criança (...) Prefiro o Deus criança. No colo de um Deus criança, eu posso dormir tranqüilo.”

Isto é natal!! Poesia, amor, canção... tudo embalado e regido por uma criança... deixai vir a mim os pequeninos porque dos tais é o reino da poesia. Deus é o poeta... nós somos o poema... Jesus é o poeta-poema feito criança... natal!!

Já quis muito ser teólogo... hoje não quero mais.... quero ser poeta. Um teólogo vê uma criança e trata de elaborar uma tese, talvez sobre a soteriologia infantil, pedobatismo, idade da razão, etc. O poeta vê uma criança e brinca, faz poesia, e a criança brinca com ele, vira poema! Viva a poesia! Que o natal seja o renascimento de poetas e poemas, de canções de amor, de sonhos, de jardins repletos de felicidade...

Que o poeta seja reverenciado, que o poema-criança seja amado, e que o poeta que se fez poesia seja lembrado como o criador dos versos mais maravilhosos que ele já fez, mudando de vez a história... mudando a nossa história...
Feliz Natal!!!"

José Barbosa Junior

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

SEGUNDA DIVISÃO

Foi difícil acreditar. O Goiás ganhou do Internacional e o Corinthians apenas empatou com a equipe do Grêmio. A crise no Parque São Jorge chegou ao fundo do poço. A torcida mais unida e fiel do Brasil não acreditava e não merecia. Enfim, no ano de 2008 o Grandioso Corinthians jogará o Campeonato Brasileiro pela série B. Não estamos mais na elite do futebol brasileiro, e isso tudo porque a antiga diretoria do clube não fez um planejamento. Esse é o resultado quando não existem metas a serem alcançadas, quando os objetivos estão completamente adulterados e a perspectiva de vencer simplesmente não existe.
Não é apenas um jogo, é toda uma temporada. O Corinthians começou bem, chegou a liderar por algumas rodadas, mas seus jogadores foram indo embora, as contratações foram péssimas, e na metade do campeonato o time estava desmontado e não possuía nem sequer uma base. Muitos jogadores subiram das categorias inferiores, outros chegaram no meio da bagunça e não conseguiram impor seu futebol. E enquanto isso a diretoria explodia em escândalos. Tudo porque ninguém parou pra pensar em como seria esse ano, quais as melhores contratações a serem feitas, que contratos devem ser feitos para que os jogadores permaneçam na equipe, qual a melhor hora para os atletas das categorias de base subirem para o profissional.
Quando não temos um planejamento, não sabemos aonde queremos chegar. Por isso tantas empresas afundam, tantas pessoas levam uma vida sem perspectiva, tantos casamentos acabam. Quantas pessoas chegam à fase adulta sem saber o que fazer? E os profissionais que se formam e não sabem se é essa a profissão que realmente querem. É preciso parar e pensar se realmente vale à pena; se é isso mesmo; se estamos dispostos a lutar por uma causa, abraçá-la e acreditar que no final, apesar das lutas, tudo dará certo.
Neemias antes de reconstruir os muros de Jerusalém, saiu à noite para avaliar a obra que seria feita, tudo deveria ser pensado por ele antes, era necessário um projeto (Neemias 2:13-16). Jesus disse: “Qual de vocês, se quiser construir uma torre, primeiro não se assenta e calcula o preço, para ver se tem dinheiro suficiente para completá-la? Pois, se lançar o alicerce e não for capaz de terminá-la, todos os que a virem rirão dele, dizendo: ‘Este homem começou a construir e não foi capaz de terminar’. Ou, qual é o rei que, pretendendo sair à guerra contra outro rei, primeiro não se assenta e pensa se com dez mil homens é capaz de enfrentar aquele que vem contra ele com vinte mil? Se não for capaz, enviará uma delegação, enquanto o outro ainda está longe, e pedirá um acordo de paz. Da mesma forma, qualquer de vocês que não renunciar a tudo o que possui não pode ser meu discípulo”. (Lucas 14:28-33)
Por falta de planejamento deixamos de alcançar metas, vivemos sem objetivos, e só nos preocupamos com o que é necessário para que tudo fique bem no dia de hoje. Mas o problema é que logo o amanha chegará, e com ele as crises e os problemas, e como passar por tudo isso se não planejamos antes? Vamos buscar objetivos concretos e de longo prazo para nossas vidas. Vamos focar nossa existência naquilo que acreditamos. Vamos pagar o preço das nossas escolhas, ainda que seja muito caro. Vamos sonhar e planejar o que sonhamos, e no final receber a coroa da concretização da nossa luta.